A última maternidade
Como um portão sem cadeado, eles abrem sem cerimônias seus corações à espera de visitantes. Entre as mazelas, o esquecimento, o amor e as revelações sobre o cotidiano, conheça a história e a memória dos idosos do Lar São Vicente de Paulo, de Frederico Westphalen
A Velhice
Viver ou durar são os dois destinos possíveis à população idosa até o momento da morte. Enquanto o primeiro caminho é o mais desejado, pois se constitui como um percurso cidadão, ativo, esportivo, alegre e que faça o ser humano se despedir da terra com dignidade e tanta felicidade quanto for possível, o segundo é preterido, agonizante, o retrato de uma vida que se definha em uma cadeira de rodas ou em uma maca de hospital, perto da qual permanecem estáticos e gélidos os fiéis e esguios escudeiros de metal, nos quais repousam as bolsas com soros, sangue, urina e medicamentos.
A velhice, se tudo correr naturalmente como mandam as leis da natureza, chegará para todos e todas. No Brasil, a preocupação com o envelhecimento da população não transtorna somente os responsáveis pela economia nacional, que usam esse fenômeno como forma de justificar alterações na regulamentação previdenciária. O contingente de idosos que existirá no país nas próximas décadas assusta também o sistema público de saúde, as famílias, os indivíduos e, claro, os jovens e adultos da atualidade.
O cuidado, a atenção e paciência são desafios ao envelhecimento saudável
Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população com mais de 60 anos no Brasil vem crescendo em quantidade e em velocidade. Se em 1991 haviam 10,7 milhões de idosos, em 2000 esse número chegou a 14,5 milhões e atingiu a marca de 29 milhões em 2019. As bengalas e cadeiras de rodas devem ultrapassar as chupetas e carrinhos de bebês até 2060, quando 73 milhões de idosos formarão o gigantesco grupo da terceira idade brasileira.
Já segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera idosa a pessoa com mais de 65 anos, e credita a uma nação o título de “país idoso” àquela que tiver ao menos 14% da população composta por pessoas na terceira idade, o Brasil alcançará o status de velho já em 2032, quando 32,5 dos mais de 226 milhões de brasileiros terão 65 anos ou mais.
Em um país onde a desigualdade parece não dar sinais de que diminuirá, ter condições financeiras para escolher “viver” ao invés de “durar” não será uma oportunidade para todos. O governo estimula que a família cuide, recomendação que esconde a falta de políticas públicas para o público idoso, mas essa realidade não é aplicável para todos que chegam à velhice.
Hoje, segundo estimativa da pesquisadora Ana Amélia Camargo, que liderou levantamento sobre o tema no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2011, cerca de 100 mil idosos vivem em abrigos, sejam eles públicos ou privados.
São nos lares, ou instituições de acolhimento, que nas próximas décadas repousará boa parte daqueles que mantém uma vida profissional ativa hoje, trabalhando oito horas por dia, se exercitando, namorando, passeando, estudando...
Cedo ou tarde, se a vitalidade permitir, todos verão seus cabelos ficarem brancos. Caso já tenham perdido as mechas, não terão como escapar das dores que se disseminam em tantas partes do corpo que ao longo de décadas de vida sequer se imaginara que pudessem doer. A idade chegará, a velhice é um estágio natural, e além de pensar em como será a vida financeira após a distante aposentadoria, é importante prever desde já quem poderá auxiliar a nova geração de velhos a atravessar a rua daqui a algumas décadas.